História do Povo Tabom

Tabom – The Afro-Brazilian community of Accra

Causa estranheza chegar em Gana e ouvir falar de um povo chamado „Tabom“. Os Tabom formam uma comunidade brasileiro-ganense, de ex-escravos, que voluntariamente retornaram à África de seus antepassados, depois de terem comprado sua liberdade no Brasil*. Como na sua chegada a Gana somente sabiam falar português, usavam os cumprimentos conhecidos “Como está?” e a resposta “Tá bom”, daí provavelmente a origem do nome dado a eles pelo povo Ga, que os recebeu amigavelmente.

Nii Alasha, na extrema esquerda, filho mais velho de Azumah Nelson, com os chefes do povo Ga, incluindo Nii Tackie Tawiah.

Sabe-se de várias comunidades de descentes de brasileiros em solo africano, grande parte delas no Benin, na Nigéria e no Togo, formando clãs com nomes como Souza, Silva ou Cardoso.  Estudos estimam que no Século XIX aproximadamente 10.000 afro-brasileiros libertos voltaram à África. Em vários países da África Ocidental é possível encontrar bairros, escolas e museus com o nome “Brasil”. Em Lagos (Nigéria) há um “Brazil Quarter” e um clube com o nome “Brazilian Social Club”; no Benin há uma escola chamada “École Brésil”. Alguns afro-brasileiros são (ou foram) muito conhecidos em seus países. Um deles foi Sylvanus Epiphanio Kwami Olympio, eleito primeiro presidente do Togo em 1960. O primeiro Chachá do Benin, o chefe e controlador do comércio e da relações com os estrangeiros, foi o afro-brasileiro Francisco Félix de Souza, que ficou muito rico através de seu envolvimento com o tráfico de escravos. Ele teve 53 esposas, 80 filhos e 12.000 escravos. Quando faleceu, deixou de herança a seus descendentes uma fortuna estimada em US$ 120 milhões. A linha real dos Chachás existe até hoje no Togo. O primeiro  Embaixador do Brasil em Gana, Raymundo Souza Dantas, cita em seu livro “África difícil”, ter recebido uma carta de um togolês chamado Benedito de Souza, que alegava ser seu primo (p. 76).

Chefe Tabom Nii Azumah V dançando durante a cerimônia de entronamento realizada em 26 de fevereiro de 2000 na Stool House.

Em Gana, o único grupo significativo de que se tem notícia é o dos Tabom. Segundo relatos, a viagem do Brasil para o Golfo da Guiné foi feita em um navio chamado S. S. Salisbury, oferecido pelo Governo inglês. Em Acra chegaram por volta de 1836, vindos da Nigéria, como visitantes. Foram tão bem recebidos pelo Mantse (chefe) Nii Ankrah, da área de Otublohum (na capital Acra), que resolveram ficar. O líder do grupo na época da chegada dos Tabom a Gana chamava-se Nii Azumah Nelson. A família Nelson tem grande importância entre os Tabom. O filho mais velho de Azumah Nelson e seu sucessor, Nii Alasha, foi grande amigo do ilustre Rei Ga, Nii Tackie Tawiah. Juntos, eles ajudaram no desenvolvimento comercial e na melhoria das condições sanitárias do país. O atual Mantse, Nii Azumah V (foto ao lado, no centro), é descente dos Nelson, conhecidos por também terem a First Scissors House, a primeira alfaiataria do país, fundada em 1854, que, entre outras atividades, tinha a tarefa de fazer uniformes para o exército ganense. Prova dessas habilidades dos Tabom é o Sr. Dan Morton, atualmente um dos costureiros mais famosos em Acra.

Do povo Ga, receberam terras com localizações privilegiadas, em bairros hoje muito conhecidos da capital, como é o caso de Asylum Down, da área próxima à estação central de trens e da região em torno da Accra Breweries; nesses locais  grandes árvores de manga são, ainda hoje, testemunhas da presença dos Tabom. No bairro de North Ridge, há uma “Tabon Street”, que lembra as plantações que eles tinham no lugar. Muitos Tabom atualmente vivem em James Town, uma área hoje pobre, que fica de frente para o mar e próxima ao antigo porto de Acra. Lá há uma rua chamada Brazil Lane, onde está localizada a primeira casa que abrigou os Tabon, a Brazil House. Os Tabom iniciaram o cultivo de manga, mandioca, feijão e outros vegetais, além de trazerem do Brasil várias habilidades como técnicas de irrigação, carpintaria, arquitetura, trabalhos com metais, especialmente os  preciosos, alfaiataria, entre outros, melhorando, dessa forma, a qualidade de vida de toda a população ganense. Além disso, os Tabom contribuíram no campo da religião, uma parte deles no estabelecimento do maometanismo, outra na preservação de cultos religiosos como o shangô. Hoje eles estão completamente integrados a Acra, são aceitos como parte integrante da divisão de Otoblohum.

* Até o presente momento ainda não está claro se eles realmente compraram sua liberdade e decidiram voltar à África, ou se já eram trabalhadores libertos que foram deportados depois da revoltas dos Malês em 1835. Um grande número de afro-brasileiros foi deportado para a África, especialmente os de origem islâmica, que organizaram a revolta. Como os Tabom coincidentemente chegaram a Accra em 1836 e a maioria deles era de islâmicos, a hipótese da deportação não pode ser descartada. Somente estudos aprofundados poderiam provar uma ou outra tese.

Marco Aurelio Schaumloeffel, leitor brasileiro em Gana. 2004©

Nota: Este texto foi originalmente publicado no website da Embaixada do Brasil em Gana de 2004 a 2007 em seu então website brasilghana.org (desativado desde 2007).

Fontes:

– DANTAS, Raymundo Souza. África difícil. (Missão condenada : Diário). Rio de Janeiro : Editora Leitura S/A, 1965.

– Programme of the Swearing In Ceremony of Tabon Mantse Nii Azumah V. February 26th, 2000. Pages 2-3.

– Relatos de integrantes do Povo Tabom gravados pelo autor.



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