Moro no Brasil

 

Moro no Brasil, de Mika Kaurismäki

Neve, vento cortante, frio alojado debaixo da pele. Ponto de partida: escandinávia. Ponto de permanência: Brasil. Ontem assisti em Bremen a Pictureum filme do finlandês Mika Kaurismäki, que mora no Brasil há dez anos, daí se explica o nome dado ao trabalho. Segundo a imprensa alemã, o documentário trata de ritmos nacionais, mais precisamente de samba, sendo uma espécie de  Buena Vista Social Club tupiniquim.  De forma engraçada uma revista faz alusão à diferenças de estilo, diferenciando samba de samba, dizendo que rapidamente se percebe diferenças entre o que parece ser a mesma coisa. Ledo engano. Kaurismäki faz muito mais do que isso. É uma verdadeira viagem musical que se inicia no sertão pernambucano e termina com o Funk’n Lata de São Paulo. Contado histórias pitorescas de personagens reais, o diretor, que viaja pelo interior do Brasil pobre com um velho jipe, mostra de forma nua e bela a simplicidade com que pessoas, muitas vezes sem oportunidade de acesso à instrução institucional, mas com enorme bagagem cultural e musical invejáveis, mostram ritmos e melodias complexas. A verdadeira música popular brasileira – sem maiúsculas ou abreviações – é o enfoque. Mesmo para os brasileiros o filme certamente passa a impressão do pouco que conhecemos desse lindo baú, empoeirado e jogado em algum canto, tão pouco valorizado e mostrado pela imprensa e os meios musicais do Brasil.

A música popular apresentada por Kaurismäki mostra todo o sofrimento, a alegria e a cultura das regiões por ele visitadas. A diversidade impressiona, a simplicidade contagia.

Visto no estrangeiro, certamente o filme peca, pois dá a impressão de que não existam dois Brasis díspares, de que há somente um país, rico musicalmente, miserável em sua infraestrutura. O que para nós parece claro faltou obveizar – me desculpem se crio neologismos – aos estrangeiros, já que primeiro rodou no exterior (e talvez nunca venha aos cinemas brasileiros); faltou a referência ao contexto popular, ao meio no qual esta música brota e está inserida, às discrepâncias que há entre as camadas sociais, à globalização americanizada da classe média. Sem essa didatização, que parece, a princípio, absurda, os menos informados em relação ao Brasil, ou seja, a grande maioria dos europeus, mesmo os que movimentam culturalmente o Velho Continente, deduzirá que somos, por excelência, favelas.

Ver músicos como Silvério Pessoa e Mestre Salustiano é deparar com a essência de um Brasil de beleza bruta, virgem com lábios de mel. Não assista ao filme com pretensões de achar um fim ou um começo. O bom do final é que fica a gostosa sensação de que Kaurismäki elucidou apenas uma migalha dessa vastidão.

Marco Aurelio Schaumloeffel

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