O uso produtivo dos MOOs para o ensino de línguas
Marco Aurelio Schaumloeffel
Mestrado em Lingüística, UFPR
Os MOOs (Multi User Domains, object oriented) são ambientes virtuais, nos quais são criados objetos/locais virtuais. Nestes ambientes ocorre a interação. Quem está conectado pode interagir com os outros usuários ou com os objetos/locais virtuais nele existentes. Os MOOs e os Chats são semelhantes. Ambos são “locais” de encontro para o bate-papo entre os usuários. Mas esta característica é apenas uma das dimensões do MOO. O grande diferencial se dá pelo existência de objetos “mudos” que são descritos em forma de texto.No MOO Mundo Hispano encontra-se, p. ex., a descrição de um ambiente virtual denominado “Puerta del Sol” (veja em anexo). Neste MOO há vários ambientes com os quais o usuário pode interagir, há bares, sala de aula (onde pode-se aprender todos os comandos do MOO), avenidas, bibliotecas, aeroportos, etc. Para poder locomover-se, deve-se dar um comando adequado. Caso haja dificuldade neste sentido, basta ir para a sala de aula ou acionar os mecanismo de ajuda que fornecerão os comandos necessários, geralmente acompanhados de exemplos. Em cada ambiente estão descritas algumas caraterísticas típicas. No bar pode-se interagir com um garçom virtual, cumprimentando-o, fazendo pedido de bebidas e comidas, etc. Todas estas simulações são baseadas em texto da língua-alvo. Além destes objetos já existentes, o próprio usuário poderá criar os seus objetos virtuais, com os quais ele e os outros conectados poderão interagir. Mesmo não havendo outras pessoas conectadas ao MOO, o aprendiz de L2 pode fazer uso da língua-alvo através da interação oferecida por estes objetos “mudos”. No bate-papo realizado no MOO Mundo Hispano (em anexo), o autor foi levado por outro usuário de nome “Isis” para um ambiente particular criado (Piramide de la diosa Isis).
Os MOOs constituem um registro com características diferentes no sistema comunicativo. Tradicionalmente afirma-se que há apenas dois tipos de registro: o oral e o escrito. Koch e Oesterreicher (1990) estabelecem, além deste nível, que chamam de Medium, ou seja, meio pelo qual se realizam – ou falado ou escrito -, um outro nível, o da Konzeption, ou seja, como o material expresso através de um meio (Medium) foi originalmente concebido, se de maneira oral ou escrita. Os MOOs não podem simplesmente ser enquadrados em um destes dois registros tradicionais do nível Medium. A comunicação se dá através da máquina, através de texto digitado, mas tem todas as características da comunicação oral, pois há a “conversa” virtual entre as pessoas conectadas. Dessa maneira, temos uma comunicação que utiliza como meio a escrita, mas sua concepção é indiscutivelmente oral.
Esta comunicação, que ocorre de forma parcelada, não deixa de ser virtual, pois ocorre num ambiente virtual, criado para os fins específicos a que se propõe determinado MOO (jogo, desafio, educativo, etc.). A interação entre aqueles que estão conectados naquele momento ao MOO ocorre no espaço virtual, no ciberespaço, mas tem todas as características da comunicação autêntica. Aqui vale lembrar o caso da sala de aula. Temos um ambiente real, mas a comunicação, na grande maioria da vezes é “falsa”, sempre provocada de maneira artificial, pelo professor, com fins específicos (p. ex. treinar o uso de determinados tempos verbais, “usar” as preposições que estão sendo estudadas, etc.). No MOO são criadas situações comunicativas verdadeiras, mesmo que num ambiente virtual, pois há a interação entre aqueles que “dialogam” através desta nova forma de comunicação.
Nesta interação de concepção oral e meio escrito temos uma defasagem de comunicação, ou seja, a comunicação não é instantânea. Sempre há um pequeno espaço de tempo, de alguns segundos, entre o envio e o recebimento de um diálogo, visto que a rede mundial de computadores – a internet – ainda não é rápida suficiente para proporcionar um diálogo simultâneo. Esta limitação tecnológica da rede traz, para o efeito do ensino de línguas estrangeiras, ao contrário do que se podia supor, vantagens. Ela permite que o aluno de L2 tenha tempo maior para poder ler, decodificar, as mensagens por ele recebidas. Por outro lado, também fornece tempo para que possa formular, elaborar a sua resposta, característica singular deste tipo de comunicação real no espaço virtual. Imaginemos os alunos frente à uma situação de comunicação real em um espaço real. Dificilmente haveria a possibilidade – e o tempo suficiente – para elaborar e decodificar as mensagens. O aluno teria que contar ou com a paciência do interlocutor ou ambos passariam, p. ex., para uma terceira língua em comum ou apelariam para a linguagem dos gestos. Esta limitação tecnológica já entra nesta forma de comunicação como regra estabelecida, sendo pré-condição que deve ser aceita por ambas as partes.
Diversas pesquisas já mostraram que o uso de computadores no ensino aumenta sensivelmente a motivação do alunos. Mesmo depois de passada a fase inicial da curiosidade, a motivação permanece. No caso dos MOOs, o aluno que se conecta a um desses “espaços virtuais” tem a possibilidade de falar com alguém sobre aquilo que lhe interessar, não precisando adequar-se ao assunto tratado em aula, muitas vezes “proposto” pelo professor. Cabe ressaltar que esta conversa é sem algum compromisso, oferecendo a oportunidade de falar sobre aquilo que interessar (na sala de aula há, p. ex., o compromisso de obter uma boa nota), fluindo evidentemente de maneira mais natural. O padrão normal para este tipo de conversa no espaço virtual é o registro coloquial. O fator pessoal oferecido por este tipo de comunicação é decisivo quanto à motivação. Os MOOs proporcionam um contato mais fácil, tornando a comunicação mais simples, sem os entraves (preconceitos, timidez, etc.) da vida real. O anonimato conferido por este tipo de conversa, dá, ao mesmo tempo, maior proteção e liberdade.
Ao ingressar e participar ativamente de um MOO, o usuário criará automaticamente uma personalidade virtual, o que exigirá dele criatividade. Delinear sua personalidade virtual, às vezes uma nova a cada nova conexão, é um aspecto produtivo muito interessante para os fins proposto pelo ensino de L2.
Pelo simples fato da comunicação num MOO ocorrer num espaço virtual, vale fazer uma observação. Assim com no espaço real, as discussões em grupo num MOO sempre exigem uma determinada “discussão” a respeito da hierarquia das pessoas envolvidas. No ambiente real, muitas vezes, isto é determinado pelo simples contexto, por gestos, por posição social, etc.; em um MOO, pelo contrário, essa negociação obrigatoriamente deve ocorrer de forma escrita, o que permite implementar a nova forma de comunicação acima discutida.
É evidente que a utilização de um MOO também apresenta alguns problemas. No início o usuário, assim como em qualquer situação nova para o ser humano, pode ficar “perdido”, encontrando dificuldades de manuseio da máquina, com a conexão necessária ou com o próprio software.
A rede mundial de computadores, a internet, é resultado de conexões caóticas, absolutamente desordenadas, fazendo com que seja incontrolável, por enquanto lenta e, em alguns momentos, apresente problemas. Mensagens enviadas nem sempre são recebidas pelos destinatários, por simplesmente “perderem-se” na rede.
Acompanhar as conversas pode ser tarefa difícil para os alunos no início. Alguns conectados já têm um bom traquejo nos MOOs, o que pode trazer problemas para os “novatos”, pois a comunicação pode ser muito real, “muito autêntica”, para o nível de domínio da L2 por parte do aluno. Uso de gírias e expressões idiomáticas é regra neste tipo de ambiente, mesmo porque grande número dos conectados escolhem um MOO de sua língua-mãe.
O software TelNet geralmente é utilizado para as conversas no espaço virtual. Nele há um problema sério: não há a possibilidade de editar as frases, as conversas produzidas, caso o aluno queira relê-las mais tarde ou utilizá-las para outras atividades. Há outros programas melhores, basta acionar as máquinas de busca e procurar na rede. Em alguns MOOs há, em determinados horários do dia, muitas pessoas conectadas ao mesmo tempo. Para o iniciante isto pode ser uma desvantagem. Como a conversa flui muito rapidamente, ele pode perder o “fio da meada”, dando contribuições atrasadas, pois os participantes podem mudar de assunto muito rapidamente, ou, o que também é normal, haver muitas contribuições, de modo que as frases que o iniciante elaborará, de maneira lenta, “desmancham-se” na tela ao entrarem novas frases dos outros participantes. Por outro lado, há momentos em que a rotatividade de conectados é muito grande. Alguns apenas dão um “olá” e já se retiram do MOO, de maneira que, em determinadas situações, o usuário tenha que repetir várias vezes o mesmo diálogo, restrito quase que unicamente aos cumprimentos. Conseguir cativar o interlocutor com perguntas e respostas instigantes pode ser muito importante nestes momentos.
Outra barreira para a desenvoltura na conversa on-line pode ser o teclado. Tudo funciona através dele, desde os “gestos” mais simples, até a expressão de idéias complexas. Ter destreza manual razoável é importante.
Os MOOs, na maioria das vezes, são mais adequados para quem já possui uma certa base de conhecimentos na L2, para poder ter melhor “trânsito” na via virtual. Há as exceções, os grupos criados para a situação especial de aula, que serão adequados aos fins propostos previamente.
Nos MOOs há vários tipos de ambiente, a maioria deles não são criados para fins educativos, foram criados apenas como “local virtual” para facilitar o contato e para, de certa forma, direcionar o assunto da conversa. Alguns desses ambientes são extremamente indisciplinados, assim como também acontece na vida real. Há ambientes onde, p. ex., a pornografia é regra. Escolher, portanto, o ambiente adequado na língua-alvo é também umas das tarefas de quem se propõe a utilizar uma L2 com fins de aprendizagem lingüística.
Por fim, devemos sempre ter em mente que este tipo de recurso informatizado jamais substituirá o ensino “normal” de línguas, de sala de aula, na presença de um professor. Os recursos informatizados, como vimos no exemplo dos MOOs, podem ser um importante auxílio, pois eles acrescentam, complementam o trabalho que normalmente ocorre em sala de aula.
Bibliografia
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(Versão reduzida sem as notas de rodapé do original)
Anexo
“Conversa” interativa do autor com outros usuários do MOO Mundo Hispano. A conversa iniciou-se no ambiente virtual chamado “Puerta del Sol” É importante observar que o autor está tendo pela primeira vez contato ativo com a língua espanhola.